Caesar – Como Construir um Império

Elogiado nos últimos anos por montagens sui generis de obras de Ésquilo, Beckett e Pinter, o diretor Roberto Alvim, da companhia paulistana Club Noir, enfrenta pela primeira vez um Shakespeare nesta potente e radical adaptação de Júlio César. Como de hábito em sua trajetória, marcada pela busca obsessiva da singularidade, o encenador passa ao largo do trivial em Caesar – Como Construir um Império. De saída, optou-se por apresentar a tragédia com apenas dois atores – Caco Ciocler e Carmo Dalla Vecchia, em interpretações rigorosas e repletas de tensão dramática. A dupla transita entre vários personagens, notadamente Júlio César, Brutus, Cássio e Marco Antônio, identificados por sutilíssimas diferenças nas composições de corpo e voz.

À primeira vista (e apenas à primeira vista) paradoxalmente, a adaptação de Alvim é subversiva e também respeitosa com o clássico. Enxugado de modo a deixar a montagem com cerca de uma hora, somente, o texto densifica o enredo sobre as maquinações políticas que resultariam no assassinato do imperador Júlio César e seus desdobramentos posteriores. No processo, ficam à mostra as entranhas da história e amplifica-se a sua essência de maneira poderosa. Paralelos com a realidade política de hoje, especialmente a brasileira, irrompem o tempo todo do texto, deixando clara a incômoda atualidade da obra original.

Marca do trabalho de Alvim como diretor, a forma aqui tem papel decisivo. E não apenas emoldurando o conteúdo como imiscuindo-se nele e transfigurando-se em recurso narrativo. O revezamento dos atores (envergando figurinos semelhantes, de João Pimenta) em múltiplos papéis, por exemplo, reforça a ideia da alternância dos discursos e ações no jogo político. A cenografia, também de Alvim, põe os atores sobre uma espécie de arena, remetendo à imagem de uma luta. Milhares de moedas cobrem o espaço, iluminado por um fio de néon vermelho, evocações do dinheiro e do sangue sobre os quais se constrói um império. O desenho de luz (também assinado pelo diretor) privilegia a penumbra, sugerindo as sombras sob as quais de desenrolam os arranjos da política.

Merecedora de uma menção à parte, a trilha composta para piano pelo filósofo Vladimir Safatle (e executada ao vivo por Mariana Carvalho) revela contornos trágicos em seu minimalismo. Mais do que isso, converte-se em praticamente um terceiro integrante do elenco, atuando em sintonia fina (e com precisão de relógio suíço) com Ciocler e Dalla Vecchia e, de certa forma, embasando-lhes o ritmo e as modulações vocais, por vezes se sobrepondo às vozes dos atores, com um efeito profundamente sinestésico. Sugestão, quem sabe, da influência de forças alheias sobre as ações individuais – e seu poder de, como Brutus jamais teria imaginado ao apunhalar César, conduzi-las a um resultado nefasto.

[foto: Ricardo Brajterman]

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