Mata teu Pai

Em Mata teu Pai, primeiro monólogo da atriz Debora Lamm, celebrando aqui vinte anos de carreira, o feminino transborda como um grito urgente e incoercível. “Preciso que me escutem”, é o que brada, logo na primeira fala do espetáculo, esta Medeia contemporânea – uma des(ou re?)construção da personagem mítica e da protagonista da tragédia grega, sob a pena sempre hábil de Grace Passô. E, de fato, há muito por ser escutado.

Trata-se, à sua maneira, de um libelo feminista – vigoroso e até beligerante, mas de uma riqueza, poética no texto e teatral na encenação, que dilui qualquer ranço panfletário ou doutrinário. Aqui, à desdita da Medeia clássica, traída pelo amado e impelida a matar seus próprios filhos como vingança, interpõem-se temas prementes à mulher de hoje, como aborto, estupro, equidade, intolerância, estigmatização e preconceito.

A direção de Inez Viana, engenhosa como de hábito, imprime uma extensa gama de sentidos na condução desse curto mas demandante tour de force, alternando ritmos e climas. Contribuição decisiva nessa riqueza de significados tem o cenário de Mina Quental, evocando algo como um cemitério de lixo eletrônico (monitores, teclados, carregadores de celulares, baterias), uma terra arrasada onde a humanidade teima em subsistir.

Rodeada em cena por catorze senhoras moradoras da região da Gamboa, zona portuária do Rio de Janeiro – um achado que sugere um coro grego a amparar os desvarios de Medeia -, Debora Lamm tem aqui o que talvez seja o papel de sua vida. Senhora absoluta do texto e de suas intenções, a atriz exibe a um só tempo técnica e expressividade, em performance de notável entrega. Não é ela que precisa que a escutem, nós é que precisamos ouvi-la.

[foto: Aline Macedo]