A Tropa

Internado em um quarto de hospital, um viúvo (Otávio Augusto) é visitado por seus quatro filhos. Cada um deles trilhou um caminho distinto: o primogênito Humberto (Alexandre Menezes) é um dentista militar que mora com o pai; Artur (Edu Fernandes), casado e pai de duas filhas, trabalha em uma construtora investigada por corrupção; o jornalista Ernesto (Rafael Morpanini), em crise profissional, pediu demissão da empresa na qual trabalhava; e João Baptista (Daniel Marano), o caçula, é usuário de drogas com passagens por clínicas de reabilitação. Como se verá em A Tropa, peça do autor estreante Gustavo Pinheiro, com direção de Cesar Augusto, poderia ser uma simples reunião familiar, não fossem os rapazes unidos por mágoas profundas em relação ao patriarca, um autoritário militar da reserva.

Vencedor da etapa carioca da última edição do concurso de dramaturgia Seleção Brasil em Cena, o texto expõe as vísceras de relações que tentam desesperadamente se manter de pé. De fato, em que pesem as ressalvas mútuas que pai e filhos cultivam entre si, escancaradas sem prudência, aqui parece subsistir um íntimo desejo de manter algum nível de união da “tropa” – ainda que à força de segredos, recalques e escamoteamentos que não resistirão ao infeliz encontro familiar. Por trás de um playwriting clássico do ponto de vista formal, de pegada abertamente realista e evocações algo novelescas, o autor exibe traquejo no desenvolvimento da trama e na construção dos diálogos, além de uma organicidade na incorporação de referências e discussões profundamente atuais.

Em um interessante contraponto ao realismo do texto, o quarto de hospital recriado no belo cenário de Bia Junqueira é evocativo em seu minimalismo, sugerindo uma arena na qual os personagens se digladiam – impressão reforçada pela divisão da plateia em duas arquibancadas. A direção de Cesar Augusto, aqui assistido por Raquel André, tira o melhor proveito do bom acabamento do texto, impondo um ritmo ágil e um colorido abertamente cômico, sem descuido dos momentos de maior tensão dramática. Jovens recém-formados em artes cênicas, os quatro atores que interpretam os filhos atendem plenamente a essa linha traçada pelo diretor. Mas é Otávio Augusto quem, entre o humor e a perversidade, deleita-se com seu protagonismo e naturalmente catalisa as atenções.

[foto: Elisa Mendes]

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